A clínica com mulheres
- luisaevieira
- 17 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 6 de mai.

“Se recusamos a consciência do que estamos sempre sentindo, por mais confortável que isso possa parecer, estamos nos privando de parte da experiência, e nos permitindo ser reduzidas ao pornográfico, ao abusado, ao absurdo.” (Audre Lord)
Como a nossa sensibilidade é permeada pelos outros - as palavras, o mundo, os olhares, nossos próprios ideais? Audre Lord nos traz uma imagem interessante para pensarmos por onde anda a nossa sensibilidade na cultura patriarcal: capturada.
Na clínica, na vida, nos processos de grupo, podemos escutar uma diversidade enorme na experiência de ser mulher, múltiplas vozes, contextos, experiências, diferentes camadas na experiência da realidade. As relações de poder, as marcas em um corpo, os olhares e discursos são camadas que também precisam de uma escuta para serem percebidas e elaboradas com os recursos que cada mulher possuí em sua singularidade, história e forma de se expressar no mundo.
A singularidade é o que move a nossa escuta, ao mesmo tempo que me pergunto: qual o lugar da dimensão coletiva na clínica? Às vezes é possível escutar uma repetição comum - alguma coisa que nos dá notícias da dimensão coletiva que atravessa as nossas experiências enquanto mulheres. Algo de uma posição, em relação ao próprio desejo e ao desejo do outro - onde movimentos que representam corte, ruptura, diferença, separação em relação ao outro, como desagradar, falar, romper, escolher, perceber os próprios limites, chocam muitas vezes com uma expectativa de ser a que apazigua, que unifica, que cuida, a que aceita, também a que dá conta de tudo e de todos. Esse movimento que, de alguma forma, conserva as coisas como estão, mas ao mesmo tempo distancia-se do próprio desejo.
Fazer essa separação é reconhecer e afirmar o próprio desejo, muitas vezes diferente do desejo do outro. O desejo, muitas vezes , limitado ao desejo de ser olhada, ser aceita, a receber o reconhecimento social, o status de ser escolhida. E isso nos reduz e nos condiciona a um lugar de objeto.
Quando escutamos algumas queixas, talvez possamos escutar uma posição que se repete, não só, mas muito comumente, em mulheres: confusão, cansaço, sobrecarga, culpa em sentir prazer, descansar, dizer não. Posição que ocupa frequentemente o lugar de espera, a função de queixar-se e demandar do outro. Ocupar o lugar de sujeito nesse sistema, e dentro dos nossos próprios funcionamentos, é trabalhoso e subversivo.
Esse não é um processo simples, é um risco que se assume, é aí que pode surgir algo do desejo, a partir da diferença, e de tudo o que se perde, do que resta e do que se ganha ao deslocar um pouco dessa posição historicamente destinada às mulheres.
Então como a análise pode ser um espaço que facilite a aproximação com o próprio desejo?
A escuta clínica, sensível às dimensões coletivas que atravessam um corpo, pode nesse espaço-tempo de um processo singular, navegar pela gramática própria de um sujeito mulher.
É aí, que a dimensão racional, daquilo que muitas vezes já escutamos, lemos, conversamos sobre nossas questões, encontra-se com uma abertura produzida pela fala e pela escuta. Essa abertura se dá no corpo, na experiência, na linguagem, através da escuta do que é inconsciente e próprio de cada uma.
É através das imagens, dos sons, das palavras que cada uma carrega consigo que se cria uma possibilidade de abertura. Com o que surge em meio a uma história muito bem contada ou conhecida, que contam ou a gente conta pra nós mesmas e a repetimos, o que escapa das compreensões, o que não tem nome, mas que nos toca, nos move, nos angustia, o que a gente sonha, o que a gente sente e o que o nosso corpo fala nas entrelinhas de uma frase.
A possibilidade de repetir, repetir, até escutar essa mesma história com um acento diferente.
Esse texto da Audre Lord, produz pra mim uma imagem que acompanha o espaço de escuta com mulheres: um movimento, uma possibilidade de sentir, quando se pode dizer o sim e o não, para além do lugar de objeto do desejo do outro.
Se você sente vontade de buscar esse espaço de escuta, ou curiosidade em conhecer mais o meu trabalho, entre em contato pelo link disponível no site.
Luísa Evangelista Vieira Prudêncio
CRP: 12/15291
Referência:
LORDE, Audre. O uso do erótico como poder. In: LORDE, Audre. Irmã outsider: ensaios e discursos. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: José Olympio, 2021.
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